sábado, 30 de março de 2019

OPINIÃO: Deus está acima da trovoada… e do silêncio



Ousemos a apologia do silêncio. Sei que parece crime de lesa-pátria em certos meios religiosos, em especial naqueles que fazem equivaler estados de calma e tranquilidade à anemia espiritual, ou situações de ruído, vozearia e barulheira a um elevado nível de espiritualidade.
Para esses talvez nem adiante mencionar a teologia paulina endereçada aos coríntios do I século, a propósito dos dons espirituais, no sentido de estabelecer alguma ordem litúrgica naquilo que parece ter-se transformado definitivamente numa feira de vaidades e num escândalo para os estranhos à comunidade de fé: “Se, pois, toda a igreja se congregar num lugar, e todos falarem em línguas, e entrarem indoutos ou infiéis, não dirão porventura que estais loucos?” (1 Coríntios 14:23).
A cultura pentecostal do ruído constante e dos améns despropositados, de influência latino-americana (vulgo retété), pode facilmente resvalar para a confusão e desordem, que o apóstolo condenava: “Mas faça-se tudo decentemente e com ordem” (14:40). Não há nenhuma razão bíblica que justifique a prática dos carismas num clima caótico, até porque é necessário ter em conta a exigência do sentido (14:13-17), visto que o fim da operação dos mesmos no culto é a edificação da comunidade: “Assim também vós, como desejais dons espirituais, procurai abundar neles, para edificação da igreja” (14:12).
Não existe qualquer precedente entre os apóstolos e muito menos em Jesus Cristo para uma cultura de desordem no culto. Trata-se apenas de influência do paganismo da época, alheia à espiritualidade cristã. Tendemos a ignorar que o problema das heresias com que a igreja primitiva se debateu não se colocava apenas no campo doutrinário mas igualmente na praxis. A desordem carismática era certamente influenciada pelas tradições extáticas do paganismo grego (como as festas dionisíacas entre outras) e suscitava interesses menos elevados como sucedeu com Simão, o mágico: “E Simão, vendo que pela imposição das mãos dos apóstolos era dado o Espírito Santo, lhes ofereceu dinheiro, dizendo: Dai-me também a mim esse poder, para que aquele sobre quem eu puser as mãos receba o Espírito Santo” (Actos 8:18,19).
O Deus revelado em Jesus Cristo e nas Escrituras nem sempre se move no ribombar do trovão mas no silêncio. Elias viveu essa experiência. Deus não estava no vento, nem no terramoto, nem no fogo, mas numa voz “mansa e delicada” (I Reis, 19:11). Baixemos a pressão. Ousemos a apologia do silêncio. Quero crer que muitas vezes fala-se para Deus mas não com Ele. Porque se fala demais e se ouve pouco, e porque se faz demasiado barulho de modo a ser muito difícil ouvir a tal voz “mansa e delicada”. Não é por acaso que a Tradição cristã sempre valorizou o silêncio, porque é aí que nos tornamos conscientes do nosso interior, e é no silêncio que ouvimos o coração.
Segundo João Alves: “Tolentino Mendonça diz que o silêncio é ‘uma disciplina do coração’, um lugar de luta, de procura e de espera. Por isso, a meditação pode ser vista como uma escola de vida, de participação rotineira e regular, uma escola onde aprendo a escuta e confiança.”
O exemplo maior de qualquer cristão deve ser o Mestre Jesus. Convido-o então a fazer o seguinte exercício:
Quantas vezes a Bíblia relata que Jesus andou aos berros durante o seu ministério público?
E quantas vezes se remeteu ao silêncio, tanto face à turba (ex: caso da mulher adúltera, em João 8) como para estar a sós com o Pai?
E quantas vezes as Escrituras exortam a “meditar” em Deus e na Sua Palavra?
Ainda antes do Verbo, ainda antes de Deus chamar à existência o que não era, o Eterno estava no silêncio. Pense nisso.




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